Vou pela calçada apressado, ziguezagueando os abobados das caras enfiadas nos celulares. São zumbis. Sobrevivo ao empurra-empurra do povo inzoneiro ocupando a composição do metrô que chega. Indiferente aquilo, uma dona esparramada por dois assentos conversa aos berros a educação de presídio, com outra que atocha biscoito maisena goela abaixo da filha. Na estação Central, mais gente com um destino comum, a praia. Galera barulhenta. Esmurram o teto, as paredes, janelas. Gritaria, risada, som alto de funk, aperto, calor infernal.
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Livre, já na superfície, adentro o saguão do Cine Roxy em Copacabana. Ainda mantém o astral de dias mais sossegados e glamourosos que a cidade viveu. Uma mulher oferece toalhinhas para os que esperam o início da sessão. Um menino vende balas. Há também pedintes circulando à vontade, até a chegada do mais maltrapilho deles que aborda as elegantes senhoras segurando-lhes os braços perfumados. A boca de poucos dentes ri e pragueja pela esmola negada. Para compensar, decide invadir uma das salas. O segurança sai do seu torpor e expulsa todos os mendigos.
Horas depois, caminho pela Rua Figueiredo Magalhães e ouço comentários sobre arrastões, gente se queixando da violência, debates dos que são favoráveis com os que querem o impeachment da presidente. Pivetes passam rindo, empunhando garrafas plásticas naquelas calçadas imundas. Na esquina, uma turma aplaude a gorducha da voz esganiçada a interpretar músicas breganejas num videokê.
Embarco na estação do metrô da Siqueira Campos. Cantarolo “Saudades da Bahia” ao relembrar Rosa Passos que, quase um ano atrás, nas areias de Copacabana, encantara uma plateia que nunca ouvira falar de sua existência. Uma melancolia toma conta de mim. Ninguém sabe de mais nada.
Apesar da ignorância, da violência, do descaso, das obras superfaturadas por toda a parte, apesar de todo esse caos, ainda amo minha cidade. No vagão cheio do metrô, percebo uma senhora a enxugar as lágrimas com a gola da camisa, enquanto é amparada por outra, talvez irmã dela, de tão parecidas. Comovido com a cena, modifico meu repertório e mando Baden e Vinícius num volume baixo, mas audível: “Pra que chorar, se o sol já vai raiar, se o dia vai amanhecer? Pra que sofrer, se a lua vai nascer, se é só o sol se por? Pra que chorar se existe amor...” As duas mulheres ficam quietas, concentradas no chão como que meditando. Eu me calo e a sofredora olha para mim e diz: - Não vou chorar mais hoje não, tá? Ela sorri. Apesar de tudo, ainda há emoção, há sensibilidade no Rio.
Imagens: Reprodução Internet
Por: Beto Caratori - CLIQUE AQUI e confira outras crônicas de Beto Caratori
Beto Caratori, escritor, jornalista, compositor e cantor, que atuou no movimento musical que revitalizou a cultura no bairro carioca da Lapa.