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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Entrelinhas: Ventos de Gabriel Mascaro sopram forte nos cinemas

Em Neon: segunda-feira, 24 de novembro de 2014



Ainda me lembro do vento da minha infância. Era um vento frio. Lembro do vento no pampa aberto, gelado, cortante. Lembro do vento cantando, querendo me dizer alguma coisa, vai saber. De vez em quando sussurrando pelas frestas da casa de madeira em que vivi. Outras vezes sacudindo e derrubando árvores na imensidão além da minha janela. Se eu sentia medo? Não. Só encanto.

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Senti novamente aquele vento cortante correr pela minha espinha semana passada. Assisti a “Ventos de Agosto”, filme dirigido, fotografado e roteirizado por Gabriel Mascaro. Belíssimo, elogiado e premiado longa de estreia, o filme é de uma poesia voraz e visceral. Poesia em estado bruto. Pronta para ser derramada pelo corpo como a Coca-cola do início do filme.

Poesia em estado bruto em “Ventos de Agosto”
O filme foi rodado em cenários incríveis do litoral alagoano. Cenários incríveis e esquecidos. Cenários sem CEP. É um Brasil que não vemos na televisão e onde pouca coisa chega além do avanço do mar. Os belos quadros de Mascaro enchem nossos olhos com corpos morenos entregues ao sabor da maré. Seja maré alta ou baixa. O lado doce e o lado amargo da vida. O filme tem um som espetacular, minucioso, denso e, tantas vezes, perturbador. Não vou contar a história do filme, há uma prévia ótima de “Ventos de Agosto” no Youtube. Assistam e sintam um gostinho.



Enquanto Dandara de Moraes e Geová dos Santos enchiam a tela com seus corpos inebriantes, não éramos muitas pessoas na sala de cinema. Talvez os ventos não levem tantos expectadores para ver essa jóia regida por Mascaro. Mas tenho certeza que os ventos de agosto soprarão ainda muito por aí. Mascaro veio para ficar e, como os ventos de seu filme, há uma sensação de que ele não vai parar de nos soprar suas imagens e seus sons profundamente brasileiros. Vou esperar na janela.

Dandara de Moraes e Geová dos Santos embriagam em “Ventos de Agosto”
Assistindo a “Ventos de Agosto”, lembrei de uma poesia linda do Mário de Andrade chamada “Descobrimento”. Sempre lembro dela quando estou em lugares do Brasil diferentes dos lugares de onde eu vim. Foi assim que o filme de Mascaro me fez sentir. Sim, eu estive lá, vivendo naquele ambiente, conversando com aquelas pessoas, hipnotizado por seus sotaques, sentindo seus cheiros, suas cores, seus sexos. Durante 1 hora e 17 minutos. Minto, por muito mais tempo que isso. “Ventos de Agosto” é filme que dura muito mais do que o tempo de sua projeção. Seu vento juntou-se ao vento da minha infância e lá ficará, tenho certeza. Salve, Mascaro!

Finalizo com nosso Mário de Andrade, que também adorava estar Brasil adentro.

DESCOBRIMENTO
Mário de Andrade

Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De sopetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.
Não vê que me lembrei lá no norte, meu Deus!
Muito longe de mim,

Na escuridão ativa da noite que caiu,
Um homem pálido, magro de cabelo escorrendo nos olhos
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu...

Por: Tarcísio Lara Puiati

Tarcísio Lara Puiati é poeta, dramaturgo, roteirista e diretor. Realizou filmes de curta-metragem premiados como “Cowboy” e “Homem Bomba”. Em 2013, lançou o livro “Rabiola”, pela editora 7Letras. É autor da Rede Globo de Televisão, onde colaborou em “O Astro”, de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro, premiada como melhor telenovela no Emmy Internacional 2012. Faz parte da Companhia de Teatro Íntimo e da produtora Caju Cinema.
 
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