Sob direção de Dadado de Freitas, o texto escrito por Leandro Fazolla e Rohan Baruck, que também estão em cena, leva ao palco a discussão de um casal que, diante uma censura indireta, debate sobre o quão visíveis ou privados podem ser seus afetos.
Fotos: Higor NeryQual o problema de um beijo? Por que um beijo ainda hoje pode causar repulsa e espanto? Provocando uma reflexão cênica acerca da pergunta “Essa peça tem beijo gay” retorna para 4 apresentações no Teatro Ipanema. No texto escrito por Leandro Fazolla e Rohan Baruck, que sobem ao palco sob a direção de Dadado de Freitas, o que poderia ser um ato cotidiano gera um dilema sobre limites pessoais e o impacto das escolhas em um tempo onde o amor entre iguais ainda permanece sob constante suspeita e até vigilância.
A montagem questiona quais afetos podem ser visíveis, quais ainda são interditados e a noção de público e privado, quando decisões aparentemente comuns podem ter desdobramentos maiores do que se imagina. “Fomos atravessados por diversas notícias em que o chamado ‘beijo gay’ estava no centro da discussão, desde a censura na Bienal do Livro de 2019 até o alarde feito na imprensa sobre um ou outro beijo gay nas novelas. E pensamos que este poderia ser um tema a partir do qual poderíamos abordar nossas vivências. Então, desenvolvemos esta trama em que os personagens pudessem tensionar sua relação e pensamentos sobre a própria comunidade LGBTQIAPN+”, resume Leandro.
A partir de um conflito central envolvendo um casal - uma foto de beijo circulando nas redes sociais -, o texto se abre para novas camadas, flertando com a autoficção, trazendo conflitos comuns aos autores, sobretudo a partir de suas origens em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. A dramaturgia problematiza como a visão da sociedade sobre os corpos dissidentes interfere nas vidas e formas de se colocar no mundo.
“Entre naturalização e fetichização, ainda haver uma categoria ‘aceitável’ ou ‘permissível’ de beijo é um sinal do retrocesso que estamos vivendo. Eu pesquiso a cena dissidente e a personagem ‘bicha’ nas narrativas contemporâneas. Ainda ter que discutir o beijo como esse fantasma e num lugar de urgência social me inquieta como artista”, pondera Dadado, que possui longa trajetória na cena queer.
A dramaturgia também olha para trás a partir de um diálogo com “O Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues, já que muito dessa polêmica parece estar, não apenas parada no tempo, mas retrocedendo a partir de um aumento cada vez maior do conservadorismo no Brasil e no mundo. “A mesma homofobia e o mesmo sensacionalismo que pautam nossos beijos hoje interferem radicalmente na vida dos personagens rodrigueanos. A gente acredita ter avançado nessa discussão, mas será mesmo? Olhar pro passado ajuda a pensar um pouco sobre o que mudou e a projetar o que vem pela frente”, aponta Rohan.
Embora se anuncie por um beijo, é um espetáculo que se propõe a falar do amor e de suas idiossincrasias. “O amor numa relação homoafetiva é tão amor quanto em qualquer outra relação. No entanto, ainda é visto como um tema das dissidências, um tema maldito. Então criamos uma imaginação distópica de um futuro não muito distante em que este beijo e estas relações dissidentes permanecem sob intensa vigilância. É uma espécie de ‘e se’ que provocamos através da peça: e se essa onda conservadora ganhasse contornos ainda mais radicais? Nosso público poderá se afetar por personagens em um momento limite que causa uma montanha-russa de emoções. Apenas no meio disso tudo há um beijo gay”, encerra Dadado.
“ESSA PEÇA TEM BEIJO GAY”De 2 a 5 de outubro (Quinta-feira a sábado, às 20h; Domingo, às 19h)
Ingressos: R$20 (meia-entrada), R$40 (inteira)
Local: Teatro Ipanema Rubens Corrêa
Endereço: Rua Prudente de Morais, nº 824 - Ipanema, RJ
Venda de Ingressos: https://sl1nk.com/x6P0O
Classificação Indicativa: 14 anos
Duração: 70 minutos
Gênero: Drama
Instagram: @essapecatembeijo
FICHA TÉCNICA
Idealização, dramaturgia e atuação: Leandro Fazolla e Rohan Baruck
Direção artística e supervisão dramatúrgica: Dadado de Freitas
Direção de movimentos: Maurício Lima
Direção Musical: Bèá Ayòóla
Cenografia: Maurício Bispo
Figurino: Flávio Souza
Iluminação: Ana Luzia Molinari de Simoni
Direção de produção: Stephany Lopez
Operação de Som: Nilda Andrade
Operação de Luz: Rafa Domi
Fotografia: Higor Nery
DADADO DE FREITAS
Dadado de Freitas é artista da cena, atuando como diretor, ator, dramaturgo, preparador de elenco, roteirista e iluminador. Mestre em Arte e Cultura Contemporânea pela UERJ, tem como foco de pesquisa a encenação, a performance, a política e a presença de corpos dissidentes na cena. Vencedor do Prêmio Shell de Direção em 2025, onde estava indicado também nas categorias de dramaturgia e iluminação pela peça Arqueologias do Futuro, do Museu dos Meninos, com o qual colabora desde 2019 e que estreou em 2023 no Festival de Curitiba, realizando temporadas em SP, RJ e que esteve na última edição do Mirada - Festival Ibero-americano de Artes Cênicas, realizado pelo SESC SP. Dirigiu também 3 maneiras de tocar no assunto que estreou no Teatro Poeira, no Rio 2019 e realizou a Circulação Norte e Nordeste pelo Instituto Cultural Vale em 2024, pelo qual foi indicado aos Prêmios Cesgranrio e APTR de melhor direção. Participou de 5 edições da Mostra Todos os Gêneros do Itaú Cultural e junto a esta instituição também realizou projetos de pesquisa híbrida em teleteatro e radioteatro, entre outros. Dirigiu espetáculos no Rio, São Paulo, Amazonas, Goiás e realizou residências internacionais em países como a Holanda e África do Sul. Acredita na transgressão pela palavra, no corpo como dissidência e exercita a bichice e o desbunde como formas militantes de vida e de existência.
LEANDRO FAZOLLA
Produtor teatral, crítico de arte e ator. Doutorando em Artes Cênicas pela Unirio, pós-graduado em História do Teatro Moderno e Ocidental (CAL), Mestre em Arte e Cultura Contemporânea (UERJ); e Bacharel em História da Arte (UERJ). Atua como diretor, produtor e membro fundador da Cia. Cerne, com a qual foi contemplado com o projeto "Turmalina 18-50", no edital Rumos Itaú Cultural. Idealizador e diretor do Festival Cenáculo de Teatro, mostra de teatro que acontece há 9 anos na Baixada Fluminense. Conquistou diversos prêmios de melhor ator pelos espetáculos "Chiquinho", "Nossinhora da Kombi", "Ainda Aqui" e "Joio", além do Prêmio Baixada na categoria Produção Teatral em 2017. Diretor-geral do Instituto Cultural Cerne e da Escola Popular de Teatro da Baixada. Indicado ao Prêmio CBTIJ de Teatro para Crianças 2023 nas categorias Ator em Papel Coadjuvante, Cenário e Figurino por “Era Uma Vez um Tirano”, da Cia. Cerne.
ROHAN BARUCK
Doutorando e Mestre em Artes Cênicas (UNIRIO), Rohan Baruck é ator, diretor, produtor, dramaturgo e professor de teatro. Em 2022, recebeu o Diploma Heloneida Studart, concedido pela Alerj em reconhecimento aos mais de 20 anos de carreira e atuação no estado do Rio de Janeiro. Atualmente, é jurado do 10° Prêmio CBTIJ de Teatro para Crianças. Nos últimos anos, foi contemplado pelos editais Novos Talentos do Teatro Firjan SESI (2018); Sesc Pulsar (2022); Foca (2022), Retomada Cultural RJ2 - Secec (2022). Recebeu o Prêmio Funarte Arte em Toda Parte (2020), ocupando o 1° lugar nacional na categoria Teatro - Treinamento Vocal; e o Prêmio Ações Locais - Secec (2020). Como ator, já atuou em mais de 20 espetáculos profissionais, entre eles “O matador de Santas”, de Jô Bilac; “Olho por Olho”, espetáculo autoral que circulou diversos estados brasileiros; “João Caetano ou Morte – Um ensaio com Luiz Gama”, dirigido por Rogério Fanju; e “Três Irmãos”, vencedor do Prêmio Shell na categoria Dramaturgia. Entre suas produções dramatúrgicas estão os espetáculos “Olho por Olho”, “Querido, Eu”, “Na Moral”, “Maldita”, “No seu andar”, “João Caetano ou Morte – Um ensaio com Luiz Gama” e “Nada Me Aflige – Made in Favela”. Foi diretor dos espetáculos "Querido, Eu", "No seu andar", "Maldita", "João Caetano ou Morte - Um ensaio com Luiz Gama" e “Pipas”, sendo este último indicado ao Prêmio Shell na categoria Atriz. Em 2024, estreou o espetáculo “Nada Me Aflige – Made in Favela”, recebendo o prêmio de direção no 47º Festival da Fetaerj, e, em 2025, o espetáculo “Maldita”, sucesso de público em temporada no Teatro Municipal Café Pequeno.